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Estética de Rua e Identidade: com Patrícia Freitas e Renata Cardoso

Relato por Samylla Oliveira*


No dia 6 de outubro, quinta-feira, as professoras doutoras do Departamento de Teoria da Arte e Música da UFES estiveram presentes no ciclo de comunicações da exposição PREZA! aberta ao público da universidade. Apresentaram o tema da estética de rua e as questões identitárias dentro do campo da arte mural e do Graffiti, trazendo uma discussão sobre essas identidades e vozes presentes e ausentes nos espaços.


A comunicação se iniciou com a fala da professora Patrícia Freitas que apresentou aos presentes ouvintes o tema da sua tese de doutorado que faz uma referência histórica ao muralismo. Buscou tratar na conversa a relação entre a arte mural com a arte do Graffiti, enfatizando o papel e o espaço que pessoas de grupos sociais diversos ocupavam no contexto histórico da arte mural e quais são hoje, essas identidades que ocupam o universo do Graffiti.


Com isso, Patrícia propõe um questionamento a todos presentes “Na arte que ocupam os muros, que vozes falam e que vozes calam?” Preocupou-se em ambientar o tema, dando-nos um exemplo do movimento do Graffiti na cidade de São Paulo onde é muito presente o manifesto de ocupação dos muros da cidade como forma de resistência e conquista de espaço, contra as camadas mais ricas da cidade.


Análogo a isso, a professora citou o movimento do muralismo no México do século XX. Exibiu na apresentação de slides um afresco de Diego Rivera intitulado, Epopeia do Povo mexicano que retratava a forte luta e resistência do povo mexicano com a ocupação dos muros pela camada popular.


Os debates políticos antropológicos que eram muito presentes no México, não existiam no Brasil na mesma proporção, conta Patrícia. Na mesma época, os artistas brasileiros preocupavam-se em criar ornamentações com a temática da identidade nacional. A exemplo disso, a professora citou Theodoro Braga, artista do século XIX, que pesquisava sobre a fauna e flora do país e criava ornamentações com temas indígenas e estas eram postas nos interiores das casas da elite de São Paulo.


Muito tempo depois, na época que surgiu o modernismo nos anos 1930, o ministério da educação e saúde fez uma encomenda, a construção do palácio Capanema na cidade do Rio de Janeiro. Criado para servir uma demanda de pessoas, o espaço buscava oferecer saúde e educação de qualidade para a classe trabalhadora. Nesse contexto, Cândido Portinari é chamado para fazer 12 afrescos no interior do edifício.


A professora propõe mais um questionamento pertinente: Por que entre tantos artistas renomados na época, Portinari foi escolhido para fazer as ornamentações do edifício do ministério? Ela diz que foi pelo reconhecimento internacional do artista, com obras expostas no MOMA, tendo produzido retratos do Rockfeller e principalmente por ele ser um artista brasileiro que comunica a história do Brasil com a sua própria identidade, engajado politicamente em projetos com causas sociais.


Continuando a conversa a respeito da ornamentação do edifício do palácio Capanema, Patrícia fala sobre o mural feito na entrada frontal do ministério em 1945. Os ornamentos escolhidos foram estrelas do mar e peixes confeccionados em azulejos azuis e brancos, fazendo uma referência às pedras portuguesas. Nesse sentido, a professora deixa claro em sua fala que houve uma intenção de mostrar com esse afresco uma imagem menos confrontativa, para a época, na entrada do local, enquanto dentro do edifício, permaneciam os afrescos com temas sociais.


Nessa conjuntura na ornamentação e afrescos produzidos nos anos 50, era muito comum utilizar a função exercida dentro de um edifício institucional como tema de pintura nos próprios muros e paredes do local, segundo a palestrante. Dentre alguns dos exemplos que a professora apresentou, foi pontuada a obra Bandeirantes de Portinari que prioriza como narrativa os precursores e fundadores de São Paulo. A obra foi posta na parede de um hotel, ocupando assim um espaço de circulação.


Ainda sobre a obra de Portinari, Patrícia conta um detalhe interessante a respeito. Segundo ela, quando esse mesmo hotel faliu a obra de Portinari foi comprada pelo presidente do Itaú e posta na parede de um banco. Encerra a sua fala com uma crítica: “Ficou muito claro a quem essa obra se destina”, pois apesar do tema das obras de Portinari, em geral, fazerem referência às camadas populares, elas não são consumidas/contempladas por aqueles a quem elas dizem respeito.


Encerrando sua fala Patrícia passou a palavra para as pessoas presentes, e sugeriu que fizéssemos comentários e/ou perguntas. O artista grafiteiro Ronaldo Gentil fez uma colocação precisa sobre a relação discutida por Patrícia entre a arte mural dos afrescos e o graffiti. Segundo Gentil, a arte mural é mais aceita pela sociedade em geral, além de ser mais “higienista” pois ela vem com a presunção de que o artista que a produziu muito provavelmente tenha uma formação acadêmica. E o papel da elite nessa situação é justamente considerar arte aquilo que pode ser comprado, que não é o caso da arte da pixação ou o Graffiti produzido pelas camadas menos abastadas da sociedade nos muros da periferia.


Patrícia Freitas e Renata Cardoso na Comunicação na Galeria de Arte Espaço Universitário Fonte da imagem: @preza.expo

Após os comentários referentes à palestra de Patrícia Freitas, Renata Cardoso, inicia a sua fala na comunicação trazendo referências análogas à sua pesquisa sobre mulheres artistas na história da arte, apresentando um levantamento de depoimentos de mulheres no cenário do Graffiti.


Renata trouxe para a comunicação o exemplo de mulheres que não só ocupam em menor número o cenário do Graffiti. Ela também aponta como essas mulheres artistas estão inseridas na cidade e nas ruas, onde a maioria delas começaram e tiveram dificuldades principalmente em relação a sua própria segurança e tiveram que brigar pelo espaço num cenário de maioria masculina. Renata buscou dar ênfase às artistas e a presença feminina no Graffiti, apresentando as artistas e suas posições ativistas em relação a arte de rua e o estilo do Graffiti feminino e feminista expresso primordialmente pela temática dos desenhos criados por essas mulheres.


A professora então apresentou em seus slides a primeira artista de sua lista, a grafiteira equatoriana Sandra Fabara, conhecida pelo seu nome artístico Lady Pink, a “primeira-dama" do Graffiti. Lady Pink, conta Renata, foi uma artista pioneira nas ruas de Nova York nos anos 80 e de grande importância para a representatividade feminina no cenário do Graffiti. Fabara construiu sua carreira com a arte de rua como ato de rebelião e empoderamento feminino. Tornou seu nome “Lady Pink” uma marca nos muros em que grafitava, enfatizando o “Pink”, fazendo uma menção a cor rosa, e se apropriando de certa forma desse indicativo da presença de uma mulher nos muros das cidades.


Renata, em seguida, menciona o movimento de artistas anarco-feministas do grupo Mujeres Creando, fundado por três artistas, sendo a mais conhecida a artista María Galindo. O grupo era engajado no cenário da arte de rua na Bolívia em 1992. Ficaram conhecidas pelos seus atos de rebelião com Graffiti escritos “anonimamente” pelos muros das cidades do país de origem.


A próxima artista citada foi a grafiteira, escultora e artista visual brasileira que faz parte do cenário dos artistas grafiteiros dos anos 90, Nina Pandolfo. Em um vídeo apresentado por Renata aos presentes ouvintes da comunicação, a própria artista em uma entrevista para o Itaú Cultural conta um pouco de sua história e que recebeu muitos comentários de homens grafiteiros como por exemplo “Vai pintar escolinha, o que você faz não é Graffiti” referindo-se ao estilo e temática “fofa” dos trabalhos da artista. Nina fez diversas colaborações com as prefeituras e com a cidade de São Paulo. Nesse contexto, a professora Renata comenta que “Ao voltar para o sistema ela (Nina) ganha as ruas”, também citando um exemplo do seu trabalho de 2014, o gato gigante (título: Um amor sem igual) exposto no MAC-USP.


Renata, em seguida, apresenta um trecho de uma entrevista em vídeo, da artista visual e grafiteira carioca Panmela Castro, que assina seus trabalhos de Graffiti nas ruas com o nome artístico “Anarkia boladona”. A artista possui um histórico de muitas violências sofridas nas ruas do Rio de Janeiro e de violência doméstica. Ela conta que talvez hoje (ironicamente) esteja viva por ser mulher, diferente de seus amigos homens que morreram em confronto nas ruas. Ela traz essa carga da sua história tendo vivido na periferia, vinda da cultura do hip hop para as suas artes sobre tela. Traz também o seu conhecimento acadêmico, tendo estudado na escola de Belas Artes do Rio de Janeiro na UFRJ, iniciando seus estudos com 17 anos, por influência de sua mãe.


O trabalho de Panmela Castro com o Graffiti não só envolvia a criação dos seus próprios trabalhos num cenário onde existiam muito poucas mulheres. A artista menciona que teve, por muito tempo, que se masculinizar para ganhar respeito e espaço. Com esse espaço que conquistou, ela conseguiu trazer mais mulheres para o cenário do Graffiti através da criação da Rede Nami, dando mais visibilidade para mulheres artistas com seu trabalho de engajamento e políticas públicas.


Outra artista brasileira do final da década de 1990 relevante, mencionada pela professora Renata é a artista grafiteira e multimídia, Crica Monteiro. Foi apresentada aos ouvintes como esta artista que, assim como Panmela, teve muita influência do hip hop americano em seu percurso na arte de rua. Apesar da dificuldade e afastamento que a mídia dava a essas referências, as poucas imagens que ela via em revistas de hip hop conseguiram chamar a sua atenção.


Crica começou fazendo trabalhos nas ruas junto com seu primo, usando a caligrafia do Graffiti, a articulação entre a escrita e a imagem. Seus trabalhos sempre envolvem a figura feminina negra e raramente não inclui essas duas características, sendo assim ela utiliza o suporte da parede como um local de conscientização.


Por fim, a última artista mencionada é a artista visual e ativista indígena, Daiara Tukano, graduada em Artes Visuais e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB). A professora Renata a introduz dizendo que a artista não é do segmento da arte de rua assim como as demais citadas anteriormente. Mas, teve um trabalho de “arte mural” em destaque ao ser convidada em 2020, como artista mulher indígena, para participar do festival CURA – Circuito de Arte Urbana com seu trabalho Selva Mãe do Rio Menino na empena do Ed. Levy em Belo Horizonte. Este é o maior mural pintado por uma artista indígena.


Nesse sentido, Renata fala como as ruas são uma possibilidade de divulgação da arte indígena e por conseguinte, permite a sua circulação por diversas instituições. Tratando-se das questões de ancestralidade, esse trabalho mostra a relação direta do povo indígena com a natureza. Enfatiza não só a luta por um espaço para um povo invisibilizado e marginalizado socialmente, também é uma estratégia de ocupação.


Encerrando a fala de Renata com a apresentação do trabalho dessas mulheres, as professoras palestrantes abrem a conversa para as dúvidas e comentários dos ouvintes. O artista grafiteiro com trabalho exposto na exposição PREZA! Ronaldo Gentil estava presente e quis expor comentários pertinentes ao tema. Ele diz que em geral, as mulheres trazem essas questões políticas tratadas na comunicação, de forma mais leve e gentil com o público feminino das ruas e a comunidade LGBTQIA +. Ele ainda comenta sobre essa violência presente nas ruas: “fomos aculturados pela violência dos dois lados”. Contextualizando sua fala, refere-se tanto a violência das ruas (o risco que os grafiteiros correm pintando os muros de forma “ilegal”) como também, outro lado da moeda, a discrepância entre as considerações de obras de arte, a institucionalização que protege alguns indivíduos e negligência outros, gerando o que Gentil considera como apagamento.


Ele ainda aponta uma possibilidade que agregaria o universo da arte de rua: fazer um movimento duplo, trazendo cada vez mais, os artistas da universidade para trabalhos colaborativos nas ruas, assim como levar os artistas de rua para as universidades.


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* Samylla Oliveira é estudante do Bacharelado em Artes Plásticas na Ufes. Este texto foi desenvolvido como atividade do projeto de extensão Processos de Criação em Curadoria.


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