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IMAGEM E PALAVRA

por Lara Ferrari Plotegher Loureiro


A exposição IMAGEM E PALAVRA com curadoria de Nicolas Soares acontece no MAES - Museu de Arte do Espírito Santo entre 04 de outubro de 2022 e 23 de abril de 2023. Apresenta obras dos seguintes artistas: Elpídio Malaquias, Paulo Bruscky, Néle Azevedo, Uiara Bartira, Nice Avanza, Rosindo Torres, Geovanni Lima, Antônio Henrique Amaral, Fernando Acarino, Rubens Gerchman.


Vista da exposição Imagem e Palavra. Da esquerda para a direita, obras de Néle Azevedo, Antônio Henrique Amaral e Geovanni Lima. Fonte: Instagram do MAES.

Ao visitar a exposição, tive a oportunidade de alcançar reflexões sobre os meios que a composição curatorial propôs no diálogo entre as obras. Estas que foram escolhidas a partir do acervo do próprio MAES e do Acervo da Ufes (salvaguardado pela Galeria Espaço Universitário - GAEU). Embora tenham sido produzidas em contextos sociais e históricos diferentes - num hiato temporal de 53 anos (1967-2020) -, estão organizadas de modo que se comunicam e reforçam a presença uma das outras.


A proposta curatorial do “acervo em diálogo” é conferida no estabelecimento de relações entre as obras que, a despeito do acronismo temporal, são posicionadas no espaço expositivo de modo a proporcionar uma experiência rizomática em que se estabelece a comunicação cruzada de representações imagéticas, gráficas e gestuais que abarcam assuntos do sagrado, mítico, social, racial, ditatorial. Desse modo, permite um sistema de variações caleidoscópicas para trançar a malha-linguagem que cobre o “relacionar-se”, o “comunicar-se” e o “entender-se”.


De modo geral, a exposição reforça a linguagem, um dos mais revolucionários métodos de comunicação e expressão desenvolvidas pelo ser humano, como um invenção capaz de elaborar sistemas complexos e/ou simbólicos para onde se comunica e “se movimenta de modos misteriosos e performar as realidades do mundo”, de acordo com o texto curatorial de Nicolas Soares, diretor do MAES.


Embora a imagem tenha sido o recurso primeiro da mediação entre o ser humano e o mundo, são códigos interpretativos que traduzem o contexto das relações reversíveis. Ela cria narrativas e as justifica. Como nos disse Vilém Flusser, o surgimento da escrita linear tratava-se de traduzir cenas em imagens. Por outro lado, decifrar textos é descobrir as imagens significadas pelos conceitos.



Vista da obra Há braços de Néle Azevedo, na exposição Imagem e Palavra.

Escolhi, então, esta obra de Néle Azevedo, intitulada por Há braços, de 1999, feita com ferro fundido, cujas dimensões são 11,4 x 38,4 x 8 cm e que pertence ao acervo do MAES. Sobre essa obra pode-se refletir sobre a emoção que deriva dessa relação de imagem e palavra, como resultado de processos combinatórios de símbolos que anunciam os efeitos da nossa relação com as mesmas, como uma marca individual dos nossos pilares e que nos permitem pensar, sentir e movimentar o mundo.


“Parte do trabalho de Néle Azevedo se baseia na composição de esculturas e intervenções no espaço urbano. Em ‘Há braços’ uma figura humana estende um dos braços em direção ao vazio, o gesto remete ao esforço de alcançar algo, uma tentativa de comunicação, de ir ao encontro do outro em busca de uma resposta, de um movimento que complete a dinâmica da comunicação”, escreve Karenn Amorin na etiqueta de sinalização da obra.


Vista da exposição Imagem e Palavra. Televisão exibindo palavras das obras exibidas. Fonte: Instagram do MAES.

No espaço expositivo as obras foram distribuídas de modo a conversarem em paralelos umas com as outras em todos os ângulos possíveis, por isso há uma sensação rizomática, uma sensação de “rede” intrínseca ao ambiente. Na entrada da exposição, há uma televisão exibindo imagens de palavras específicas de cada obra. Elas iam passando em sequência, sem conexão aparente entre elas. Ao caminhar na extensão da sala expositiva, comecei a refletir sobre a possibilidade de caminhar a esmo, sem um critério lógico que me sugerisse uma ordem específica para melhor compreensão do tema. Nessa exposição senti que minhas memórias vieram à superfície com autonomia das palavras. A obra Anjo da Guarda de Uiara Bartira me levou a uma fase da infância onde essa oração era como uma receita para o dia seguinte. Minha mãe me ensinou, assim como as outras rezas de matriz Cristã, e eu criança, só reproduzia. Logo na frente, havia a obra Liberdade da palavra de Nice Avanza, onde eu pude refletir sobre o meu momento de adolescência, onde eu, com certa impaciência sobre o cenário da igreja católica, já os via como apenas reprodutores de palavras que não me alcançavam.


Vista da exposição Imagem e Palavra. Obras de Elpídio Malaquias. Fonte: Instagram do MAES.

As obras Cobra venenosa e Não chegue perto porque fas medo de Elpídio Malaquias estavam de frente para as obras Click ou isto não é um preto - volume II de Giovanni Lima, possibilitando interpretar essas extremidades das paredes expositivas como leituras que tratam as questões raciais. O sagrado na iconografia da cobra - com as flautas que estavam “protegidas” pelo vidro - pode sinalizar que fazia medo em relação aos cadernos pintados de preto. Essa aproximação me fez refletir sobre a mistificação fantástica que se tem do povo preto, “porque faz medo”. Entre o banal - dos cadernos - e o sagrado - nos instrumentos e ícones de poder - havia a obra AR de Rubens Gerchman, que guardava as perturbações das opressões da ditadura militar, em que também podemos fazer um paralelo com a crise da pandemia e com a camada social que foi mais afetada.


Vista da exposição Imagem e Palavra. Da esquerda para a direita, obras de Rubens Gerchman e Uiara Bartira. Na parte inferior da parede, reprodução do título da obra de Nice Avanza que estava posicionada na frente.

No dia da visitação tivemos a oportunidade de dialogar com o curador da exposição, Nicolas Soares, que em suas palavras nos informou que sua intenção primeira foi recontextualizar trabalhos de outrora do acervo com as urgências de agora. Essa fala me levou a refletir sobre a funcionalidade do trabalho curatorial, em que, na ausência de uma conversa diretamente com a pessoa responsável pela composição do espaço, a expografia funciona de modo a infiltrar-se no lúdico dos espectadores e lubrificando engrenagem de compreensões possíveis do contexto.



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* Lara Ferrari Plotegher Loureiro é estudante do Bacharelado em Artes Plásticas na Ufes. Este texto foi desenvolvido na disciplina Práticas curatoriais, história(s) de exposições, ministrada pela Profa. Ananda Carvalho.


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