Relato por Phoebe Coiote Degobi
Menotti é um deslocador de objetos. Mas talvez deslocar possa ser vago demais.
Proponho um recorte nesse relato: Menotti é um deslocador de objetos de um contexto pro outro, produzindo novos contextos. essa é a prática curatorial à sua maneira. prática transitiva.
Gabriel Menotti possui pós doutorado em mídia e comunicações e atua como professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo. O encontro com esse professor vizinho do Departamento de Artes Visuais e participativo do circuito de artes propôs ao Grupo de Estudos Processos de Criação em Curadoria uma visão divergente do fluxo que se insere quando se pensa no mercado de artes. O fluxo, para Menotti, não precisa nem ser de arte, na verdade a curadoria não precisa nem ser de objetos que se proclamam como arte. Curar uma exposição pode ser dar a ver objetos que dialogam entre si numa espécie de reencarnação constante daquela imagem-objeto.
Traçando um percurso em sua história como professor-curador-pesquisador, Menotti relembra sua prática cineclubista com o Cine falcatrua (2003-2008). Foi uma prática de tensões e negociações de e com espaços públicos, tendo em vista que esse cineclube era carregado de infrações legais, mas que funcionavam dentro da proposta de dar a ver de outras maneiras. O Cine falcatrua funcionava como forma de falar de cinema de maneira que se produziam novos significados para os filmes quando exibidos nos contextos extremamente improvisados como na imagem abaixo.
Cine falcatrua Universidade Federal do Espírito Santo, 2003-08 Disponível em <https://www.flickr.com/people/129723657@N02/> Acesso em jan. 2020.
Pense sobre afetos e colaborações que enriquecem. Transposições nos significados de fazer arte. Todas as coisas-arte diluídas nelas mesmas e tentando ter uma voz. Cápsula (2017) é sobre isso. O projeto surgiu como uma maneira de pensar mais deslocamentos de significados no que se entende mas que não se sabe dizer sobre como é fazer parte de estruturas de arte. Pensando nessa relação topofílica e afetiva sobre o lugar da arte, construiu-se com os participantes um conjunto de práticas e aprendizados sobre novos meios de se relacionar com o lugar da arte, não só no solo capixaba mas de maneira geral. Esse foi um projeto contemplado pelo edital FUNCULTURA (da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo) que visava a formação de profissionais já atuantes na área das artes, estudantes de artes, curadores, artistas, professores etc, e a tal formação em arte contemporânea buscava dialogar de forma crítica e afetiva com o processo de criação artístico. O projeto foi coordenado em parceria com a curadora Clara Sampaio.
Uma das palavras mais mencionadas por Menotti durante o encontro foi a palavra reencarnação, o que é curioso, mas essa noção se torna compreensível quando se ouve o curador falar do seu percurso na área. O cineclube Falcatrua, citado anteriormente, se transmutou em muitos outros projetos, quase como uma linhagem de produção curatorial. Em 2010 o projeto Tape Deck Solos (imagens abaixo) propôs que artistas na 29ª Bienal de Artes de São Paulo explorassem o material de vídeo bruto em fitas cassete e tentassem, ao vivo, produzir sentido daquilo que tinham ali. O trabalho se apresentou como uma das encarnações do cineclubismo experimental tendo em vista essa criação de espaço improvisado para diálogo entre o artista e o público, a produção da obra e entre o artista e a porosidade do processo de criação.
Tape deck solos São Paulo, 2010 Disponível em <https://www.flickr.com/people/129723657@N02/> Acesso em jan. 2020.
O pensamento que liga Menotti à tecnologia de novas mídias digitais é o da relação humana com pensamentos de momentos esquisitos e não digeridos da participação do ser e do corpo nas novas mídias. As noções evolutivas dessa tecnologia, que não tem tempo de ser bem formulada e já rapidamente é atualizada, entram em conflito em mais um trabalho reencarnado. O Resíduos Visuais (2015) foi um projeto que trabalhava com as noções de cinema de whatsapp e imagens hiperefêmeras. O trabalho propunha a exploração de celulares e vídeos que circulam pelo WhatsApp, memes, imagens de fake news e a quebra da noção de privacidade. O mais peculiar relatado por Menotti foi o sentimento de incômodo dos participantes de ter seu celular transformado num dispositivo de compartilhamento de imagens aberto, um cinema não convencional e abstrato.
A projeção aberta de imagens e produção de espaços híbridos e coletivos é uma ideia bem visível em outro trabalho do professor e curador. Em 2018, Menotti foi curador de uma mostra entitulada O Futuro que Tem Pra Hoje, uma mostra que acontecia na fachada do fiesp e que apresentava previsões artístico-clarividentes como uma maneira de produzir pertencimentos de uma outra maneira de ver o mundo e dar o mundo a ser visto pela leitura desses artistas. as leituras eram tanto fictícias e especulativas quanto embasadas na ciência astrológica (ver imagem abaixo), variando de artista para artista. a exposição durou duas semanas.
O futuro que tem pra hoje Galeria Digital do SESI, São Paulo, 2018 Disponível em <https://www.flickr.com/people/129723657@N02/> Acesso em jan. 2020.
A exposição Aproximadamente 800m³ de PLA realizada na Galeria de Arte e Espaço Universitário da Ufes (2016) funcionou como tentativa de aproximar a arte da cultura popular, levando objetos impressos em impressora 3D, dentro da própria universidade, para dentro da galeria. A curadoria de Menotti funcionou como forma de seleção de objetos escultóricos por meio de chamadas online para designers, artistas e pessoas com práticas em modelagem e até pessoas fora desses âmbitos.
Uma coisa que Menotti sempre fez questão de frisar na conversa com o Grupo de Estudos Processos de Criação em Curadoria foi que essa sua prática curatorial é quase como um ativismo curatorial, um interesse no que desconhece, em mídias que a seu ver são desprezadas ou desprezíveis para os demais. Sua prática é um devir curatorial, uma constante forma de se reinventar junto com a atualização das imagens do mundo e dos saberes, uma forma de preservação não só da arte mas de objetos e mídias que são de seu interesse, ligando-os à circulação.
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