Relato por Ana Lúcia Poubel Batal
Acostumada a realizar visitas a galerias de artes, museus ou outros espaços de arte sozinha, ou no máximo acompanhada por uma amiga, eu me permiti a experiência de visitar uma exposição acompanhada por colegas do projeto de extensão da UFES Processos de Criação em Curadoria.
A exposição escolhida foi OVERSEAS, do artista Miro Soares, e realizada no Espaço Cultural Palácio Anchieta (Vitória – ES) entre outubro de 2019 e março de 2020. Eu conhecia o artista dos corredores do Centro de Artes. Graduado em Artes Plásticas pela UFES, Miro realizou mestrado e doutorado na França e retornou à UFES como professor do Departamento de Artes Visuais em 2017.
Registro fotográfico por Miro Soares
A mostra OVERSEAS engloba um recorte importante de sua trajetória com produções entre os anos de 2006 a 2016. Para apresentá-la, Gabriel Menotti* escreveu no texto curatorial que “a exposição recupera anos de práxis artística de Miro Soares em contextos de mobilidade, entre as calçadas de Kosovo e a selva amazônica, por viagens de família, programas de residência, migração acadêmica, trabalhos de campo, caronas, mochilões e couchsurfing”.
Registros fotográficos por Miro Soares
A proposta da visita realizada com o grupo incluía, além da observação das obras, o acompanhamento e a conversa com o artista por todo o espaço expositivo. Sentia-me numa imersão artística, com inúmeras obras de variadas técnicas e experimentações, tendo como base a fotografia e o vídeo. Suas instalações me surpreendiam, enquanto, o artista relatava sua prática, apontando pistas desenvolvidas no seu processo criativo.
O título da mostra permitia um leque de interpretações e formulação de pensamentos sobre a construção das obras e sua formatação. Traduzido para o português como “Além Mar”, levava meu pensamento a outros continentes, longas distâncias e percursos repetitivos, que enchiam meus olhos de questionamentos, desde “muito legal” até “como ele pensou nisso?”. Sabia que a construção dos trabalhos era processo de longos anos fora do Brasil, usando as viagens com variação geográfica entre a neve e o deserto, como “motor para sua produção, inicialmente inconsciente, depois consciente”, palavras de Miro.
Durante a visita, o artista também relatou que as viagens não tinham apenas o objetivo de acessar localizações geográficas, mas consideravam sobretudo o deslocamento do indivíduo entre lugares, e sua transformação diante de um processo cartográfico. Um processo atento de observação das distâncias, possibilitando novos olhares em longas caminhadas.
Registro fotográfico por Ignez Capovilla
Aliás, as caminhadas são elementos marcantes no processo de criação das obras das exposição. Permitiam explorar o acaso, o descontrole e o transitório. E, assim, observamos a busca por espaços longínquos, sem a presença de humanos, à paisagens, que me remetiam à pinturas do período romântico.
Registro fotográfico por Ignez Capovilla
Inicialmente, a exposição estava prevista para o MAES, mas recebeu o convite para ser realizada no Palácio. No processo de elaboração da expografia, questões sobre perspectivas geográficas emergiram no espaço, ampliado pelo local oferecido. Miro conta que, teve dificuldades na organização e distribuição das obras no espaço expositivo, preocupando-se em como o público reagiria ao trabalho.
OVERSEAS não tem uma organização cronológica. Seu desejo foi propor composições em que os expectadores pudessem se deixar levar pelos caminhos postos, mesmo sem conhecer os lugares. A imaginação de cada um ocuparia as estradas, escadarias e mares da forma que aquelas linhas o pudesse levar. Desse modo, a montagem foi organizada para permitir ao expectador ir e vir nos trabalhos, revendo lugares visitados, com liberdade de mudar o sentido geográfico da obra.
Registro fotográfico por Ignez Capovilla
A ideia geral da exposição, no meu entendimento, foi priorizar as imagens, e não informações sobre elas, sem demonstrar dados técnicos e localizações das obras e paisagens apresentadas. Saber o ano da produção artística, quais os países visitados, qual o momento, não era o objetivo do projeto. Não interessava ao artista um traçado geográfico delimitado ao público, mas algo que pudesse transportar a vivência desse expectador para dentro daqueles mares, estradas e lugares, somente conhecidos, se assim o desejasse, após a leitura das coordenadas geográficas (que foram exibidas na parte debaixo da parede) .
Em uma das salas entre o meio e o final da exposição, era disponibilizado um folder, com título e ficha técnica de cada obra. Essa interface expográfica possibilitava deixar a visita em aberto, oferecendo ao expectador a possibilidade de escolha na realização de uma viagem pessoal dentro de uma prática cartográfica.
Ao final da viagem (ou da visita) já não me interessava por onde andei, se os mesmos lugares que o artista ou outros mares. Se enxerguei a neve como espuma, e o deserto como uma praia com longa extensão de areia. Nada disso importava, apenas sentir o Além Mar.
*Referência: MENOTTI, Gabriel. Ov°ER’SE.A”S. [Texto curatorial disponível no folder da exposição]. Espaço Cultural Palácio Anchieta, 11 outubro de 2019 – 08 março 2020.
Texto disponível na íntegra: Download
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